E assim será

“Os supermercados são os palácios dos pobres. Não são só os azarentos e os mal alojados, os que ao longo das gerações foram reduzindo os gastos da imaginação, que frequentam e, de certo modo, vivem o supermercado, as chamadas grandes superfícies. As grandes superfícies com a sua área iluminada e sempre em festa; a concentração dos prazeres correntes, como a alimentação e a imagem oferecida pelo cinema, satisfazem as pequenas ambições do quotidiano. Não há euforia mas há um sentimento de parentesco face às limitações de cada um. A chuva e o calor são poupados aos passeantes; a comida ligeira confina com a dieta dos adolescentes; há uma emoção própria que paira nas naves das grandes superfícies. São as catedrais da conveniência, dão a ilusão de que o sol quando nasce é para todos e que a cultura e a segurança estão ao alcance das pequenas bolsas. Não há polícia, há uma paz de transeunte que a cidade já não oferece.

Agustina Bessa-Luís, in ‘Antes do Degelo'”

E daqui a uns anos, temos nos super mercados divisões. Porque tudo o que se compromete hoje, amanhã promete-se melhor. Ambos, eu e tu, sabemos que antes eramos nós e a natureza apenas. Em nada existiam barreiras, apenas peculiares arvores em que nós nos escondiamos, brincando ao desejo de me encontrares; e lembras-te, vias só os contornos do corpo que as arvores nao escondiam e vinhas e abraçavas a arvore e viamo-nos apenas pelas maos que abraçavam a natureza que nos via depois, quando nos amassemos à sua sombra, como quem diz. E hoje somos nós, casas, ruas, avenidas, esquinas e tantas outras barreiras que na natureza sentimos vergonha de nos olhar, pois que o vento tem tanto por onde caminhar que nos sentimos despidos. E se antes eramos nós e chão, hoje somos nós, o chão e paredes. E do passado se faz presente. E de um grande casão, como um super mercado, lugar comum, de pessoas a serem-se comuns, nascerão paredes, pequenas lojas (tradicionais), com atendimento personalizado a cada secção, dividindo e escondendo-nos uns dos outros. Teremos alguém igual ao tio Manuel da mercearia da rua, chamada “despensa”, com um sorriso para dar e vender em troca de uma compra. E iremos todos fingir como tão bem sabemos. Será um belo teatro, nós e a personagem a imitar o tio Manuel; sim, imitação, nao será mais do que isso. Tirar alguém da sua ambiência é descaracterizá-la. E de um espaço comum, se erguem divisões, de modo a que aos mais exigentes lhe seja agradável e lhes permita uma maior distancia entre eles e os iguais a eles. E a ilusão termina e nós com ela. Fica a recordação de um espaço que era nosso e passa a ser de cada um, conforme a disposição. Sim, sinto que o nós e o nosso não são palavras muito conveniente nos dias de hoje.

E assim será.

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